Com acesso aos dados contábeis e financeiros, os trabalhadores verificaram que as duas empresas tinham uma dívida de mais de 500 milhões de reais (aproximadamente US$ 193 milhões), dos quais mais de 80% com o governo (decorrentes do não recolhimento de tributos, principalmente trabalhistas).
Desde que assumiram o controle das empresas, os trabalhadores estabeleceram um regime de planejamento e administração que permitiu assegurar algumas conquistas, como, por exemplo, a redução da jornada a 40 horas semanais, com sábados e domingos livres; o pagamento integral e sem atrasos dos salários, das férias e do 13o salário; a triplicação do faturamento das duas empresas; a negociação e escalonamento das dívidas com fornecedores, recuperando a credibilidade necessária à continuidade das operações; a recuperação da clientela; a diminuição significativa de acidentes de trabalho; a redução drástica de perdas e desperdícios; a montagem e execução de um programa de promoção profissional dos operários, com reenquadramento de funções; o nivelamento do salário dos serventes; e a contratação de estagiários com salários mais compatíveis, ou seja, melhores que os salários costumeiramente pagos a essa categoria.
Em resumo: os trabalhadores da CIPLA e da INTERFIBRA estavam dando conta do recado, mesmo considerando o entorno econômico da anarquia mercantil capitalista; estavam demonstrando graficamente que os trabalhadores sabem e podem sim administrar e que os patrões são absolutamente dispensáveis para gerir a produção e canalizá-la para o consumo. Um exemplo muito perigoso para os capitalistas e seus ideólogos e estrategistas! Não terá sido por isso que o governo brasileiro resolveu interferir agora, acelerando as ações judiciais para a cobrança dos débitos acumulados com a previdência e a fazenda? Débitos esses que, antes, quando as empresas ainda se encontravam nas mãos dos antigos proprietários, estavam convenientemente esquecidos! “Os patrões são parasitas” – esta é a justa e inquestionável conclusão a que chegaram os trabalhadores de CIPLA e INTERFIBRA.
Convém lembrar que Lula, já presidente da república, em julho de 2003, em audiência com delegação dos trabalhadores das duas empresas, “garantiu” (textualmente): “O governo não vai estatizar, mas prometo encontrar uma solução para salvar os empregos”.
Agora, com as empresas nas mãos dos trabalhadores, em processo de franca recuperação, seus maiores credores, o governo brasileiro – com Lula, um ex-operário à frente – encontrou a “solução”: exige judicialmente o pagamento dos débitos, inclusive com ameaças de prisão de uma das lideranças do movimento, Serge Goulart, que é o coordenador administrativo e financeiro das empresas, eleito democraticamente pelos trabalhadores.
Em junho de 2004, diante da vigorosa resistência dos trabalhadores à retirada das máquinas e equipamentos das empresas (para recuperação das dívidas) e às tentativas de prisão de dirigentes do movimento, foi criada uma comissão reunindo representantes dos governos federal e estadual e dos bancos estatais credores, para “estudar” a situação. A comissão chegou à conclusão que as empresas são viáveis e rentáveis e que, para resolver o problema da dívida, se requeria que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social/BNDES (banco de desenvolvimento do governo federal) assumisse o controle, transformando as dívidas em ações e capitalizando as empresas.
Tal conclusão entra em contradição com os termos da “promessa” de Lula, que quer “salvar” os empregos, mas não quer estatizar.
A situação, presentemente, evoluiu no sentido do endurecimento por parte do governo. Fortalecem-se as ameaças de retirada das máquinas e equipamentos, o que inviabilizaria totalmente a operação das empresas, bem como as ameaças de prisão da liderança. Os trabalhadores estão dispostos a resistir e programam uma marcha à Brasília, ao mesmo tempo em que reivindicam a solidariedade de todos os demais trabalhadores, nacional e internacionalmente.
A mesma situação indefinida vivida pelos trabalhadores de CIPLA e INTERFIBRA, vivem também os trabalhadores das empresas FLASKÔ e FLAKEPET: a primeira, localizada em Sumaré, Estado de São Paulo, e, por “coincidência”, pertencente ao mesmo grupo que detinha a propriedade das duas empresa catarinenses; a segunda, localizada no município de Itapevi, também no Estado de São Paulo.
Com relação à FLASKÔ, são 60 operários que decidiram assumir o controle administrativo e operacional da empresa. Para dirigir o parque fabril, elegeram um Conselho de Fábrica. Os operários da FLASKÔ viviam uma situação similar: salários, férias, 13o salário e tributos trabalhistas atrasados. Com a ocupação e controle, os salários estão sendo pagos em dia e foram renegociados os contratos com os clientes que haviam migrado para outros fornecedores.
Quanto a FLAKEPET, ainda em dezembro de 2003, seus 140 trabalhadores decidiram ocupar a fábrica para garantir os empregos, o pagamento dos salários e dos direitos trabalhistas. O patrão, essa nobre figura, tinha fechado a fábrica e mandado os trabalhadores para casa. Com salários atrasados e sem perspectivas de recebê-los algum dia, os trabalhadores decidiram ocupar, produzir e vender, para sustentar suas famílias. No dia 3 de março último, o patrão conseguiu a reintegração de posse da empresa, para isso contando, além do concurso de um juiz com “elevado senso” de justiça social, com a ajuda “humanitária” da polícia militar. Para impedir que as máquinas sejam retiradas, os operários estão, desde aquela data, acampados em frente ao parque fabril. Também lutam pela estatização da FLAKEPET.
Os trabalhadores, não somente os das duas empresas envolvidas, já entenderam que a simples estatização, a estatização burocrática, se não deixa de ser um passo à frente, é, no entanto, insuficiente. Vai abrir espaço para a casta parasitária de burocratas incompetentes, que usariam as empresas em seu próprio benefício. Agora, mais do que nunca, é preciso colocar a questão da estatização com controle operário; nesse caso, a estatização funcionaria, mantendo-se a casta de burocratas parasitas à distância ou sob controle rígido. A experiência de controle operário, vivida pelos coletivos de trabalhadores da CIPLA e INTERFIBRA, revelou viabilidade inquestionável, apesar de ser ainda embrionária e de todas as dificuldades, e seria a garantia mais fundamental de gestão democrática, atendendo e superando todos os requisitos de eficiência administrativa.
É uma luta difícil, mas não é uma utopia. A história do movimento operário, não somente no Brasil, mas no mundo inteiro, mostra que as instituições burguesas (juízes, polícia, burocracia etc.) farão de tudo para bloqueá-lo. O único aliado dos operários de CIPLA, INTERFIBRA, FLASKÔ e FLAKEPET é a própria classe trabalhadora, em duas vertentes: em nível local, com o envolvimento cada vez mais profundo das camadas urbanas mais próximas da classe trabalhadora (inclusive os pequenos comerciantes locais – afinal, mil empregos geram muita renda a circular na cidade) em ações concretas de solidariedade e apoio explícito; e em nível nacional e internacional, buscando o apoio e a solidariedade de sindicatos e organizações de classe.
Como mostra o caso recente da Venezuela, com a estatização das antigas Venepal (indústria de papel) e CNV (de válvulas), é possível sim vencer nessa luta. O Estado burguês não é uma instituição imune à pressão, só que normalmente reage às pressões da oligarquia (é só lembrar a recente retirada da Medida Provisória que aumentava os impostos para os profissionais liberais). O único caminho é a mobilização para ganhar o apoio de toda a classe operária e obrigar ao governo Lula a cumprir o seu mandato: ser um governo dos trabalhadores e para os trabalhadores.
Não as pressões e ameaças contra os trabalhadores e seus representantes!!!!
Estatização imediata sob controle operário!!!!
Por um governo dos trabalhadores!!!!